Noite

quinta-feira, 10 de julho de 2008

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E ele olhava para o fundo daquilo. De noite parecia apenas uma grande sombra negra. Olhou ao redor. Ouvira o som do galhos partindo enquanto executava seu plano. Olhava para todos os lados, à procura de um vulto humano ou uma sombra em movimento. Nada. Apenas aquele vento gélido noturno cortando sua face.
Tornou a contemplar o fundo daquele buraco negro que parecia sugar toda a luz ao redor quando fixávamos o olhar. Tudo parecia trevas. Virou e saiu daquele lugar, descendo aquele pequeno morrinho. Ouviu novamente o quebrar de um galho. Olhou de súbito para os lados, decididamente à procura de alguém. Revólver em punho. Nada. De repente, um aperto no tornozelo, seu grito de pavor e o voar de pássaros que provavelmente dormiam tranqüilos na cena do crime.
Quando olhou para baixo, viu uma ensangüentada mão agarrando seu tornozelo. Instintivamente seguindo o braço ao qual aquela mão pertencia, tentou descobrir seu dono, embora já soubesse a resposta.
A imagem era deplorável: uma cabeça sem uma das orelhas o contemplava, com seus olhos que nada mais podiam enxergar encharcados do próprio sangue, que escorria pela roupa. O sangue da orelha jorrava por toda a parte e era, possivelmente, o culpado por todo aquele sangue na mão que agarrava firmemente seu tornozelo. Um chute e a mão larga, mas o pobre diabo continuava rastejando ao seu encontro.
Ele não viveria mais do que aquilo. Decidiu então sair correndo.
Ao chegar a casa, correu para a fogueira, se despiu, e tacou suas roupas na tentativa de apagar aquela horrorosa noite de sua mente, de sua vida. Mas, feliz ou infelizmente, os fatos não se apagam assim, e na manhã do dia seguinte estava estampado no jornal: "Homem sem orelhas salva-se da morte graças ao lenhador que estava próximo. O lenhador cortava árvores numa área ilegal e foi preso. O tal homem encontra-se cego, mas seu quadro médico encontra-se estável."
Um dor lancinante por dentro do ouvido e uma turbulenta neblina negra cerrava os olhos do pobre diabo assassino covarde. Suicídio. Fim.

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