Carmita carcomida

segunda-feira, 7 de julho de 2008

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E lá vinha a velha carcomida. Cumprimentos praticamente inaudíveis, um leve aceno de cabeça quase imperceptíveis. Só por educação ou dever moral, ou consciência pesada. A velha responde: um grunhido gutural e medonho, um aceno de cabeça tão brusco que parecia quebrar o pescoço e permitir à cabeça sair rolando ladeira abaixo. Ela empolgada, outros assustados. E seguia ela, andando manca e torta por aquela ladeira íngreme. Um pé literalmente na frente do outro. Parecia que estávamos prestes a uma queda a cada instante.
Todos os olhos a acompanhavam. Conheciam a tal velha: morava na rua de cima, no alto do morro. Sempre morou lá. Nunca teve filhos nem netos, mas, incrivelmente dizem que ela tem 3 bisnetos. Sabe-se Deus como, mas a fofoca e o leva-e-trás fazem milagres.
E ia andando devagar e sempre a velha carcomida Carmita. Sim, seu nome. Carmita.
E ia Carmita carcomida descendo a ladeira. Seus pés aparentemente errantes iam sustentando aquele corpo de graveto sem muita firmeza.
Um solavanco atrás do outro, solavanco, solavanco, até um solavanco particularmente brusco: um dos pés faz uma volta e emite um som que parecia uma bola de chiclé estourando. E, de cima, a velha vai ficando cada vez mais baixa. E seu corpo passava por cima de sua cabeça. Mais estalos horríveis, grunhido guturais. Olhos espantados, mãos-à-boca por todos os lados, mas nenhum auxílio.
E seguia Carmita carcomida descendo a ladeira, mais rápido que de costume, desta vez totalmente errante, sem destino preciso.
Por culpa da grande ladeira íngreme, Carmita seguia rolando, o que pareceu 1 ou 2 minutos. Até que, quase na outra rua, ela pára de súbito.
Todos meio embasbacados demoraram alguns instantes para perceberem que Carmita parara de rolar e estava gora num ângulo estranho, culpa de um poste de iluminação.
Chegando lá, perceberam que Carmita abraçava tal poste com seu corpo de graveto. Seus olhos, fechados; sua boca, cerrada; seu destino, incerto.
E lá se ia a população local para o velório de Carmita. Por educação ou consciência pesada, eu não sei. Mas iam, todos, unidos, ao alto do morro, para ver Carmita que descansava seu velhos gravetos num confortável paletó de madeira.

2 conselhos:

Thalita disse...

. eu juro que imaginei você montando a estrutura desta velha em uma aula de teatro.

gostei (:
Beijos :*

Arame disse...

Muuuuito legal !!!!!!!!!!!!