Linda

sexta-feira, 17 de julho de 2009

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O tecido do lençol que envolvia a cama afagava seu rosto com sua maciez. Sentia o confortável calor que emanava daquele tecido, daquele objeto, daquela cama. Os panos estavam todos desgrenhados e aleatoriamente dispersos por sobre o colchão, à mostra em algumas partes. Ela, nua, dormindo doce e confortavelmente. Ele, também nu, acordado, com um braço sob a cabeça, apesar do travesseiro que ali jazia. Pensava, pensava, pensava muito.
A um tempo atrás, não havia se descoberto. Era um simples fantasma vagando pela imensidão do mundo, frio e indiferente às coisas. Não sabia o que era o amor, ou sabia, mas não o encontrara. Não sabia o que era o afeto, ou sabia mas não o encontrara. Não sabia o que era tocarem-lhe o coração. Essa, ele realmente não sabia.
Lembrava-se do primeiro ato sexual: de como o processo fora bom, de como ele sentia o calor do corpo da menina, de como seus corpos se envolviam num ritmo frenético em cima dos lençóis dessa mesma cama, lembrou-se do desejo, do fervor, lembrou-se do prazer. Fora maravilhoso durante todo o processo. Mas chegou ao fim, chegou o orgasmo, e depois deste veio um abismo, um anti clímax, uma depressão tão profunda em seu prazer que ele lutou pra não cair. A sensação fora a de que fizera algo muito errado, e agora estava encrencado.
Por longos anos e muitas vezes, repetira esse mesmo procedimento: papo, prazer, depressão. Papo, prazer, depressão. Foram muitas garotas conquistadas, umas lindas, outras nem tanto, algumas até compradas pro "serviço". No fim, por melhor que tenha sido o sexo, por mais esplendoroso e prazeroso que tenha ocorrido, novamente aquela depressão profunda invadia sua alma.
Passou a desgostar do ato. Passou a esnobá-lo, aos poucos até esquecê-lo. O prazer, a cada ato, diminuía vertiginosamente. Tinha medo de sentir novamente aquela depressão. O sexo virara um ritual para confirmar sua masculinidade, saciar os desejos humanos, as vontades mortais. Mas nada mais. Apenas isso: um ritual. Pensava que estava enlouquecendo, que estava ficando impotente ou algo do gênero, e fazia mais sexo pra verificar se a masculinidade estava em dia, mas tudo o que conseguia era chafurdar na mesma lama, e cada vez mais e mais fundo. Chegou ao fundo do poço. Tornou-se insensível, frio, frígido.
Então, na sarjeta da emoção, parou de manter relações sexuais. Elas não faziam mais nenhum sentido. Nada fazia. Passou a ser um homem errante, um viajante gélido em busca de anda, apenas desejando seguir os seus passos, mal sabendo que andava em círculos.
Então, numa de suas voltas pelo centro da cidade, encontrara Juliana. A viu atravessando a rua, com seus cabelos balançando ao vento, seus quadris numa gangorra a cada passo, seu caminhar, como um anjo que por sobre as nuvens caminha, seus olhos, negros como a noite, mas não frios como esta: penetrantes. De fato, não era bonita como as outras mulheres com quem se relacionara nos últimos anos, mas de si emanava uma aura, uma energia, uma serenidade e paz que a pobre alma precisava: como um banho rejuvenescedor.
Quando as águas de sua presença banharam o interior de seu ser, ele procurou estar próximo dela, queria ficar junto da moça, ela o fazia sentir-se bem, tão bem quanto na infância, quando era um garotinha apenas. A presença daquela moça era reconfortante, sublime, quase divina. Ele não queria mais se distanciar dela, nunca mais. Decidiu, pro fim, conversar com ela, e dessa vez, se entregaria de corpo e alma.
Enquanto conversavam, aquelas águas sublimes jorravam em sua alma com tanta força e tamanha vitalidade e vivacidade, que ele sentiu seu coração bater pela primeira vez em anos. Sentiu a presença da vida em seu interior, pôde sentir o calor de seu espírito dentro de seu corpo: sentiu-se vivo novamente.
Marcaram um encontro, e ele percebeu que mesmo distante da moça, ainda se beneficiava dos poderes de sua presença, pois ela se fixara em sua mente.
Depois de alguns encontros, ocorreu o inevitável. No calor da emoção, no fulgor dos sentimentos, no ápice do amor, seus lábios se tocaram de forma especial. Como uma eletricidade percorrendo cada nervo de seu íntimo, a cada toque, cada mordida leve nos lábios um do outro, cada íntimo sussurro no ouvido.
Suas mãos se entrelaçaram, ele sentiu que podia confiar nela, sentiu que queria ter mais próxima a presença de seu espírito, ele sentiu que era a hora, a hora da sua primeira vez.
As mãos, déspotas, sem freios, encontravam lugares do corpo da menina, assim como as dela exploravam seu corpo, e a cada toque, sentia a frialdade de sua alma ir para o espaço, sentia que o amor, aquele sentimento poderoso entre os dois, estava quebrando o gelo de seu ser, despindo seu espírito das armas e armaduras que ele usara para proteger-se dos constantes ataques de seu dono, que queria corrompê-lo.
E fez sexo, mas o fez como nunca antes o havia feito: fora a primeira vez, de verdade. Seus lábios pareciam um só, sem se separar por nenhum momento. Seu corpo sentia o corpo da moça, seus espíritos, suas almas, seus seres, se fundiam como um só, bem como seus corpos. O equilíbrio entre corpo e alma estava estabelecido: ela não tinha motivos para entrar novamente em reclusão, estava em paz com seu dono.
Mais uma vez, fez amor desmedido, sexo bom, frenético, carinhoso, intenso, delicado, vivaz, respeitoso. Frêmitos eram pronunciados em seu ouvido, enquanto seus corpos se uniam, cada vez mais profundamente, mais, mais, mais...
E o orgasmo, que sensação maravilhosa! Não mais houve aquela depressão, aquele anti clímax, aquele abismo emocional, mas sim um soerguimento de seu astral. Agora, suas almas eram uma só.
E então ele entendeu que o sexo é como um compositor detalhista e delicado, que aprimora a belíssima canção do amor, entoada em alto brado pelas almas e, logo, não deveria-se compor uma música que nunca seria cantada.
Juliana acordou ao seu lado, e envolveu-lhe em seu abraço quente, que agora facilmente tocava sua alma. Ele sorriu. Eles se beijaram. E o rádio anunciou, sob a voz do Roupa Nova:
"Vem, fazer diferente, o que mais ninguém faz
Vem, conquistar meu mundo dividir o que é seu.
Faz parte de mim, me inventa outra vez
Só eu e você,
Linda, só você me fascina
Te desejo, muito além do prazer
Linda, nunca mais tenha medo,
Pois quem ama, tudo pode vencer."

1 conselhos:

Júlia Athayde disse...

Sensacional o texto. Assim como o blog no geral!